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VELHOS? NEM OS TRAPOS!
Velhos? Nem os trapos!
2014-03-05
Velhos? Nem os trapos!

Em Fevereiro do ano passado, a marca sueca H&M lançou uma campanha global de recolha de roupa, que pretendia fazer com que cada vez menos têxteis fossem parar aos aterros sanitários.

Em troca, a marca oferecia cinco euros de desconto numa compra de 30. Paralelamente, por cada quilo recolhido, a parceira I:CO oferecia 20 cêntimos a uma instituição de solidariedade do respectivo país. Um ano depois, acabou de lançar uma colecção de cinco peças de ganga, que foram produzidas com algodão reciclado, obtido a partir do vestuário usado que recolheu.

Uma iniciativa ecologicamente correcta que chama a atenção para um problema ambiental não muito falado. As roupas deitadas para o lixo são encaminhadas para os aterros e demoram centenas de anos a decompor-se. Além disso, a indústria de produção têxtil, estimada em 83 milhões de toneladas anuais, é das mais poluentes.

Os consumidores podem ter um papel importante na inversão deste processo. Uma das formas é reutilizarem as suas roupas usadas ou comprarem mais peças em segunda mão. “Mas não sei nada de costura” ou “a roupa em segunda mão é toda velha e cheira a mofo”… são argumentos comuns para não o fazerem. Novas marcas de roupa, como a Change e a REC, estão a pôr fim a estas desculpas, criando peças únicas e actuais, que acabam com qualquer preconceito.

 

Transformar com muito estilo


Se formos a Londres encontramos imensas lojas de roupa em segunda mão! Mas em Portugal só agora é que as pessoas começam a estar mais receptivas”, reconhece Marta Leitão, mentora da marca de roupa Change.

“Acho que negócios como o meu ajudam a mostrar que peças usadas podem estar na moda”. Aos 30 anos, ela própria reciclou a sua vida ao deixar para trás uma carreira na área da publicidade. “Há um ano e meio, quando comecei, os calções eram uma tendência mundial, por isso lembrei-me de transformar calções usados em peças de moda”, recorda. Depois de procurar em várias feiras em Portugal, foi lá fora que encontrou fornecedores de peças vintage, mais concretamente de jeans icónicos, que lhe garantem o volume necessário. As calças de ganga, que são uma peça de base intemporal e de boa qualidade, são cortadas e transformadas em calções. Marta customiza-os, tinge-os com diferentes tons e cores e fá-los renascer. “Acrescento sempre algo que seja tendência, como tachas, tecidos de flores ou padrões étnicos, tornando-os em peças únicas”. Muitas vezes, fica a pensar: “Por onde já terão andado estes jeans? Que histórias já viveram?” Depois imprime-lhes um novo tom: “Tento dar-lhes um espírito divertido, irreverente, sexy mas ao mesmo tempo descontraído.

Qualquer pessoa que os usa chama sempre a atenção”. As alterações que Marta inventa conferem um novo arrojamento, tornam as peças mais actuais e dão-lhes a hipótese de continuarem a ser usadas. A promoção que fez ligada aos festivais de música de Verão e a associação a algumas figuras públicas, levou a que os seus calções se tornassem aspiracionais, ultrapassando todas as expectativas. Continuam a ser a peça mais procurada, mas a Change alargou a sua oferta a camisolas, casacos, t-shirts, camisas e ténis. “O facto de serem peças únicas, personalizadas atrai muito as pessoas e a vertente da reutilização apresenta-se como uma mais-valia”, conclui. E acrescenta: “A moda muitas vezes associa-se a futilidade e excesso de consumo, por isso acho que as pessoas dão valor a esta parte mais ambientalista do projecto”.

 

Recuperação profissional


Desde pequena, Joana Teodoro lembra-se de herdar muitas roupas das avós e da mãe. “Gostei sempre muito dessas peças antigas. As construções que têm a ver com uma época fascinam-me e têm muito valor”, reconhece. Por isso, a expressão “isso agora já não se usa” nunca lhe fez sentido.

A reutilização surgiu na sua vida como algo muito natural. Depois de terminar o curso de Design de Moda, trabalhou em várias empresas, entre elas o ateliê Storytailors. Chegou a uma altura em que se questionou sobre fazer de raiz ou optar por recuperar. “As recuperações estavam muito conotadas com um universo tosco, pouco sofisticado e profissional. Mas os materiais com que me cruzava eram o oposto”, lembra. Assim, há quatro anos, criou a marca REC – Recycled Clothing.

Passou a fazer peças personalizadas, sobretudo para “pessoas que compraram coisas boas e querem adaptá-las às necessidades e estética actuais. Que criam relações de proximidade com a roupa, estimam-na e querem perdurá-la”. Muito perfeccionista, considera que cada peça deve ficar impecável. \"Os aviamentos (fechos, botões, forros), por exemplo, são todos novos”. Paralelamente, vai criando uma colecção de pronto a vestir que resulta da triagem de roupa que clientes, amigos e conhecidos lhe vão dando. “O meu ateliê quase parece uma enorme lixeira (risos)”, conta. Faz a selecção das peças e tecidos, envia tudo para lavar e, “como em qualquer outra colecção, crio um conceito, uma imagem e uma definição de silhueta”. Reconhece que o processo de construção exige mais tempo: “Desenhar peças destas é ter vários pontos de partida, o que permite fazer roupas até esteticamente mais exuberantes e divertidas”. Joana Teodoro mostra-se satisfeita com a opção que tomou: “É assustadora a percentagem do lixo têxtil que não se degrada e é chocante o aumento exponencial dos últimos anos. Não sendo uma ambientalista estruturada, acho que faz todo o sentido perceber como, na minha profissão, posso não só construir de raiz mas também aproveitar o que já está feito”.

 

Vintage for a Cause

Como é que a transformação de roupas pode mudar a vida de pessoas?

Helena Antónia Silva encontrou uma resposta aparentemente simples. Formou um clube de costura de mulheres com mais de 50 anos, que não estão na vida activa e que precisavam de uma motivação para saírem de casa. “A missão do projecto é promover a integração daquelas pessoas que estão um pouco no limbo: já são consideradas velhas para trabalhar mas ainda são muito novas para não fazer nada”, esclarece Helena.

De momento são 25, o objectivo é subir este número para 100, até Junho, e terminar o ano com 200. “A dinâmica de cumplicidade, confidência, a criação de laços profundos é fantástica. Elas gostam de ir ao Clube para se divertir, falar com as amigas, trocar receitas, cantar o fado… A costura é mesmo um pretexto”, conta-nos a mentora do Vintage for a Cause.

E exemplifica: “Têm acontecido coisas espectaculares, como uma pessoa que não saía de casa desde que o marido faleceu e que agora nunca falta e passou a falar pelos cotovelos”. Curiosamente, a grande maioria não sabia costurar. O aconselhamento de estilistas e designers como Katty Xiomara e André Gandra foi uma grande mais-valia.

As transformações das roupas são feitas em equipa e as peças vão passando de mão em mão. Tudo é feito com os materiais existentes e, muitas vezes, duas peças resultam numa. O resultado final são peças vintage únicas, que são vendidas em feiras e lojas no Porto. Na etiqueta, conta-se a história da peça, de onde veio e quem a transformou. “Elas adoram, ficam mesmo orgulhosas quando vêem o seu nome na etiqueta”, partilha Helena. E assim se descobre mais uma vantagem desta tendência eco: ao darem uma nova hipótese a roupas usadas, mulheres comuns transformam-se em criadoras improváveis, reciclando também as suas vidas.

 

Foto: CC Helga Weber | flickr

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