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“SINTO-ME REALIZADO A ESTABELECER OBJETIVOS À ESCALA GLOBAL”
“Sinto-me realizado a estabelecer objetivos à escala global”
2016-02-04
“Sinto-me realizado a estabelecer objetivos à escala global”

Miguel Brito

 

Ainda criança, o interesse de Miguel Brito pelos temas ambientais depressa passou a preocupação, por isso dedicou a sua carreira académica e profissional a encontrar soluções práticas para combater problemas reais.

 

 

Formou-se em Cambridge, na área de Direito, Economia e Ambiente, trabalhou na EDP Renováveis, em Madrid, e depois seguiu para Nova Iorque, onde foi conselheiro de energias renováveis da Missão da União Europeia na Organização das Nações Unidas. Durante sete meses participou nas longas negociações dos novos Sustainable Development Goals, mas decidiu entretanto fazer uma pausa para investir na formação, com um mestrado em Política Energética e Ambiental na Universidade de Columbia. O futuro passará, sem dúvida, por um regresso à ONU, para novos objetivos à escala global.

 

 

Em que momento da sua vida se interessou pela área das energias renováveis?

 

Quando era pequeno, adorava ver documentários, com o meu avô materno, sobre o espaço, a Terra e o ambiente. Tinha uma grande coleção em VHS, que revisitava de vez em quando, e isso despertou em mim o interesse por estas matérias. Lembro-me de mais tarde começar a ver as notícias e relatórios cada vez mais preocupantes sobre destruição ambiental, crescente efeito de estufa, má gestão de resíduos e aumento do buraco de ozono. Se antes tinha interesse, agora tinha uma preocupação. Para uma mente jovem, todos estes problemas eram quase incompreensíveis. Se os problemas eram tão óbvios e tão sérios, porquê tão pouca ação? Lembro-me de ver os gráficos que mostravam as diferentes fontes energéticas mundiais e a pequena fatia que representavam as energias renováveis. Lembro-me de, pouco a pouco, ano após ano, essa fatia aumentar e lembro-me da esperança que esse progresso me dava – logo percebi que queria fazer parte dessa mudança.

 

 

Depois de sete meses a trabalhar nas Nações Unidas como conselheiro de energias renováveis da missão da União Europeia, em que momento está agora na sua carreira?

 

Estou no 2.º ano do meu mestrado na Universidade de Columbia, na School of International and Public Affairs. O mestrado tem a duração de dois anos e possibilita aos alunos especializarem-se numa panóplia de áreas. No meu caso, optei pelo programa de Política Energética e Ambiental, um dos mais competitivos e mais práticos da escola.

 

 

Porque decidiu fazer este investimento formativo na sua carreira neste momento?

 

De todas as decisões que uma pessoa tem que tomar na vida, a escolha de uma carreira ou de uma área profissional é, sem dúvida, das mais desafiantes e complexas, tendo em conta a idade e a pouca experiência que temos quando tomamos essa decisão. No meu caso, a simples ideia de que poderia chegar um dia e aperceber-me de que estava a trabalhar em algo que não gostava era aterradora. Com a licenciatura consegui direcionar o meu percurso, adquirindo conhecimentos de base em economia e direito, e desenvolver um interesse mais profundo em questões ambientais. Mesmo antes de terminar a licenciatura, já tinha decidido: o passo seguinte seria trabalhar em vez de prosseguir os estudos para o patamar seguinte, ao contrário do que é hábito fazer-se atualmente em Portugal. Tomei essa decisão porque achei que um mestrado naquela altura iria ser quase inútil por uma série de razões. Em primeiro lugar, não tinha experiência de trabalho suficiente para usufruir verdadeiramente de uma especialização; segundo, não tinha a certeza absoluta da área em que me queria especializar, e terceiro, estava cansado de estudar e queria passar da teoria à prática. Agora que já tenho alguma experiência profissional, que já sei o que quero fazer, posso escolher um programa adequado aos meus objetivos profissionais – é a altura certa para investir num mestrado.

 

 

Em paralelo, desenvolveu ainda um projeto de energia renovável na China?

 

O projeto que desenvolvi na China foi uma experiência fantástica e um excelente exemplo das possibilidades de preparação extracurricular que as universidades americanas proporcionam. Tudo começou com um concurso para apresentar um projeto na área energética na China. Eu e mais cinco colegas (um americano, um polaco, um letão e uma chinesa) decidimos desenvolver algo na área da energia renovável, especificamente eletrificação nas zonas rurais da China. O governo chinês estabeleceu como objetivo para 2015 100% de eletrificação a nível nacional. Pode parecer simples, mas a realidade na China torna este objetivo difícil de alcançar, especificamente eletrificação em zonas remotas, onde seria demasiado dispendioso e ineficiente fazer chegar a rede elétrica.

 

 

No que consistia o projeto?

 

O nosso projeto dividiu-se, assim, em duas partes. Primeiro, fazer uma visita ao terreno, à província da Mongólia, no Norte do país, onde estava a começar a ser implementado o programa de eletrificação rural, e perceber os desafios e potenciais oportunidades para melhorar o projeto. A segunda fase teve como objetivo desenhar um modelo simples, sustentável e cost-effective de eletrificação off-grid que tivesse em conta as lições que tínhamos aprendido no terreno e que pudesse ser aplicado pelas autoridades chinesas. Essencialmente, consistia num simples sistema de quatro painéis solares fotovoltaicos, dois geradores eólicos e uma bateria, que providenciam eletricidade suficiente para serviços elétricos básicos. Apresentámos a ideia e não só conseguimos financiamento para o projeto como um claro interesse e colaboração por parte de diferentes instituições dentro da Universidade de Columbia – o Center on Global Energy Policy – e na China, a Beijing University.

 

 

Onde se vê daqui a cinco anos?

 

O meu objetivo é, sem dúvida, continuar a minha experiência nos Estados Unidos, numa organização internacional, de preferência nas Nações Unidas. Não me vejo a  regressar ao setor privado. Experimentei, foi uma experiência enriquecedora, mas não é o meu género. Sinto-me mais realizado a participar em negociações e a estabelecer cooperação e objetivos à escala global.

 

 

Que balanço faz dos sete meses em que trabalhou na ONU?

 

Foi das melhores experiências que já tive na minha vida, superando todas as expectativas, e que levou a uma mudança importante nos meus planos para o futuro. Foi incrível quando entrei pela primeira vez no escritório da Missão Europeia, situado num 30.º andar. O trabalho começou com muita leitura e formação sobre os procedimentos da Missão e sobre os diferentes temas que estavam a ser tratados no momento e depois foram-me dadas mais responsabilidades, até chegar uma fase em que determinados assuntos e eventos eram tratados exclusivamente por mim e reportados diretamente a Bruxelas. Desenvolvimento económico e social e desenvolvimento sustentável são áreas extremamente abrangentes e incluem assuntos como igualdade de géneros, gestão populacional, tecnologia, proteção ambiental, entre muitos outros. Todos os dias tínhamos que lidar com um tema diferente e rapidamente tornarmo-nos especialistas nessa área.

 

 

Quais os principais objetivos de desenvolvimento sustentável que ajudou a serem estabelecidos para os próximos 15 anos?

 

A agenda de desenvolvimento é, sem dúvida, uma parte central da atividade das Nações Unidas. Depois do sucesso na definição dos Millenium Development Goals (MDG), era importante conseguir uma agenda de desenvolvimento para o pós-2015 que tivesse em conta as lições aprendidas nos MDG e que fosse mais ambiciosa e abrangente, principalmente no que toca a desenvolvimento sustentável. Começaram assim as longas negociações dos Sustainable Development Goals. Foi um processo extremamente longo e difícil, em que se tentou conjugar os interesses e as preocupações de 193 Estados membros. Se a coordenação a nível europeu já é difícil, entre países que fazem parte de uma União e que partilham dos mesmos valores, imagine-se chegar a acordo sobre prioridades no desenvolvimento económico, proteção ambiental e direitos humanos entre todos os países do mundo. Foi um trabalho monumental, que recebeu milhares e milhares de contribuições de todos os Estados membros, de ONG e da sociedade civil, e que começou por ter dezenas de goals e targets, que foram progressivamente reduzidos e simplificados. Ainda assim, acabámos com uma agenda, aprovada recentemente, com 17 objetivos, o que muitos pensam ser demasiados e difíceis de concretizar em 15 anos.

 

 

Como avalia as políticas de energias renováveis e sustentabilidade em Portugal?

 

A minha tese no final da licenciatura foi sobre este assunto, mais especificamente sobre o impacto da crise financeira no setor da energia renovável em Portugal. As energias renováveis no nosso país têm um problema de fundo: a falta de consistência nas políticas de apoio de que as tecnologias renováveis ainda dependem. Antes da crise financeira, em Portugal fez-se uma aposta tremenda na área das energias renováveis. Para um país como o nosso, que não só tem imenso potencial para gerar energia a partir de fontes renováveis, mas também está extremamente vulnerável às inevitáveis consequências das mudanças climatéricas,  faz todo o sentido este investimento. Ao longo desses anos Portugal tornou-se um líder no setor e era constantemente mencionado na imprensa mundial como um exemplo a seguir. Com a crise, foram impostos cortes tremendos em todo o tipo de despesas do Estado consideradas “não essenciais”, incluindo as energias renováveis, e o setor estagnou.

 

 

Regressando um pouco ao passado, era um bom aluno em criança?

 

Da 1.ª à 4.ª classe era terrível. Não malcomportado, mas discreto e estratégico. Arranjava sempre uma forma estupidamente elaborada de me escapar aos trabalhos de casa. À exceção do inglês, que me ajudava a perceber os desenhos animados e os filmes, as outras disciplinas não me interessavam muito nesta altura e, como não me interessavam, nada fazia para as aprender. A meio do meu último ano deste ciclo, num dia como outro qualquer, lembro-me de voltar do recreio e encontrar a minha mãe à porta da sala de aula, de costas para mim, a falar com a professora. Estranhei, aproximei-me e chamei por ela. Quando se virou, vi que estava com lágrimas nos olhos. Não me quis dizer o que se passava, mas mais tarde vim a saber que nesse dia lhe tinham dito que eu teria que repetir o ano. Foi um dos momentos mais marcantes da minha infância.

 

 

O que mudou a partir do 5.º ano?

 

Por opção dos meus pais, do 5.º ao 12.º ano estive no Colégio Planalto, instituição que me viu crescer e à qual devo uma parte importante da minha formação académica, cívica e religiosa. As escolas são os professores que têm e o Planalto tinha, sem dúvida, excelentes professores. Desde cedo tive noção do investimento e do esforço que os meus pais estavam a fazer na minha formação. A meu ver, a única forma de retribuir seria com estudo, dedicação, no fundo, boas notas. Lembro-me de, na primeira semana, assistir a uma cerimónia anual de entrega de diplomas e medalhas aos melhores alunos do ano transato. Lembro-me de olhar para aquele pódio como um desafio e de ter feito uma promessa a mim e aos meus pais: todos os anos iria estar ali, de diploma na mão e medalha ao peito, e assim foi.

 

 

Estudar no estrangeiro sempre fez parte dos seus planos?

 

No 10.º ano comecei aquela que foi uma das fases mais desafiantes, em termos académicos, da minha vida: o International Baccalaureate, lecionado em língua inglesa, extremamente rigoroso e reconhecido internacionalmente. Foi também nesta altura que comecei o longo processo de candidatura às universidades no Reino Unido. A ideia de estudar no estrangeiro surgiu bem cedo. Aos 13 anos, fui pela primeira vez para fora do país sem os meus pais. Fiz um curso de Inglês no verão, com dois amigos, em Cambridge. Apaixonei-me pela cidade. Os edifícios antigos dos colleges com 800 anos de história, os parques ao longo do rio, onde as equipas de remo competiam, os pequenos pubs, onde foram feitas importantes descobertas científicas. Logo aí decidi que iria fazer todos os possíveis para estudar naquela universidade, onde tinha encontrado um curso que me permitia agrupar todos os meus interesses: Direito, Economia e Ambiente (Law, Economics and Environment), algo que em Portugal não se fazia.

 

 

Contou sempre com o apoio dos seus pais?

 

Houve um incentivo por parte dos meus pais para me formar no estrangeiro, não só por acharem que seria uma vantagem competitiva, mas também pela experiência de “sobrevivência” e de maturidade. Na altura, a minha candidatura incentivou também outros colegas da turma a apresentarem candidaturas a universidades estrangeiras, principalmente no Reino Unido. Criou-se um ambiente de entreajuda em que todos torcíamos uns pelos outros, nos ajudávamos e ansiosamente aguardávamos por respostas e ofertas.

 

 

Acabou por ter muitas ofertas?

 

No princípio do 12.º ano fui finalmente chamado para uma entrevista em Cambridge. Lembro-me de me levarem para uma sala onde estava rodeado de potenciais candidatos, cada um com um percurso mais brilhante que o outro. Por momentos, considerei mesmo que não tinha hipótese. Depois de vários exames escritos de aptidão, fiz uma entrevista geral sobre o meu percurso académico, uma entrevista sobre atividades extracurriculares e apoio à comunidade e uma longa entrevista final, com dois professores, sobre economia. Passados uns meses, já tinha recebido convites de quatro universidades britânicas, mas ainda nada de Cambridge. Um dia chego a casa e encontro a minha mãe e o meu irmão à entrada com um envelope fechado na mão, retirado da caixa do correio, olhei e no envelope estava estampado o logo de Cambridge. Foi dos momentos mais felizes da minha vida.

 

 

Como correu a transição para o Reino Unido?

 

A vida em Cambridge, no início, foi um desafio. Estava longe dos meus pais pela primeira vez, sozinho, num país de clima e pessoas frias e num ambiente extremamente competitivo, em que os estrangeiros, em particular, tinham que dar mais provas. Pela minha experiência, os ingleses, ao contrário dos americanos, são fechados e têm uma forma muito particular de estar e de falar à qual é difícil habituarmo-nos, independentemente do nosso nível de inglês. Os estrangeiros que encontrei no primeiro ano eram maioritariamente asiáticos, que também se fechavam nos seus grupos. Além disso, era um de apenas dois portugueses a fazer licenciatura em Cambridge. Acabei, assim, por ficar isolado no primeiro semestre, ao ponto de, quando voltei a casa no Natal, dadas as dificuldades e as saudades, ter ponderado abandonar Cambridge. Felizmente, acabei por regressar e, com o tempo, as coisas não só melhoraram como também Cambridge se tornou numa das melhores e mais memoráveis fases da minha vida.

 

 

Depois da licenciatura em Cambridge, entrou imediatamente no mercado de trabalho?

 

O meu primeiro trabalho foi logo a seguir à licenciatura, em Madrid. Surgiu a oportunidade de trabalhar para uma empresa portuguesa que era líder na área das energias renováveis. A adaptação ao ritmo em Espanha foi um pouco difícil, sobretudo ao horário espanhol de refeições. O meu trabalho no início era simples e extremamente estimulante para um jovem a dar os primeiros passos no mundo empresarial. Era assistente no departamento de Business Management na Europa. Uma equipa pequena, com cada um dos colegas responsáveis por desenhar a estratégia da empresa para um grupo de países. Como qualquer recém-licenciado no primeiro trabalho, tive que aprender muito nas primeiras semanas. A realidade é que, dependendo da área em que trabalhamos, acabamos por usar cerca de 20% daquilo que aprendemos na universidade no dia a dia do trabalho. Os restantes 80% são conhecimentos que ganhamos enquanto trabalhamos.

 

 

O que guarda desta primeira experiência na EDP Renováveis?

 

Foi essencial para perceber como funciona o setor. Com o passar do tempo, e tendo dado mais provas da minha capacidade, fui tendo cada vez mais responsabilidade e, como tinha que acompanhar e assistir todos os colegas do departamento, acabei por me familiarizar com os mercados dos diferentes países europeus em que a empresa operava e, como os meus colegas viajavam muito e tinha dias menos preenchidos, procurava trabalho noutros departamentos. Depois de cerca de um ano a trabalhar em Madrid, e com o objetivo dos Estados Unidos sempre em mente, comecei a procurar novas oportunidades.

 

 

Como aconteceu ir para Nova Iorque trabalhar nas Nações Unidas como conselheiro de energias renováveis da Missão da União Europeia?

 

Lembrei-me de uma amiga de Cambridge ter falado de oportunidades de consultoria junto das missões nas Nações Unidas, em áreas económicas e ambientais. Procurei vagas e encontrei a posição de Second Comittee Advisor na Missão da União Europeia. Segui o processo típico online: submeter currículo, cartas de recomendação, carta de apresentação, certificados, etc. Sinceramente, nunca achei que fosse dar em nada. A ONU recebe milhares de candidaturas todos os meses e muito candidatos acabam perdidos nos montes de papel, daí a importância do chamado networking. Sem conhecer absolutamente ninguém, nem na área nem em Nova Iorque, decidi candidatar-me. Passados alguns meses, recebi um e-mail da Missão. Finalmente ia a caminho dos Estados Unidos.

 

 

Algum dia planeia regressar a Portugal?

 

Já me fizeram essa pergunta várias vezes e a minha resposta, em tom de brincadeira, é sempre a mesma: talvez quando chegar a reforma! Honestamente, eu adoro Portugal e há pouco tempo apercebi-me de que as características que tenho andado à procura para um sítio onde mais tarde me estabelecer são exatamente aquelas que encontro em Portugal: pacífico, seguro e soalheiro, com boa gente e boa comida. Infelizmente, a minha área está praticamente estagnada em Portugal, mesmo que considerasse regressar ao setor privado. Voltarei sem dúvida, até porque acho que é meu dever regressar e contribuir de alguma forma para o meu país, dentro das suas fronteiras, em vez de o fazer a partir de fora, não sei é quando.

 

 

 

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