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FUNGAGÁ DA BICHARADA
Fungagá da Bicharada
2014-05-30
Fungagá da Bicharada

Com mais de um século de histórias para contar, o Jardim Zoológico deixou, há muito, de ser um espaço onde estão expostos animais.

Pela voz de quem diariamente convive com eles, mostramos-lhe que hoje este é um local fundamental para o futuro das espécies e com uma missão bem definida: ensinar, conservar, reproduzir e reintroduzir.

 

Longe vai o ano de 1884, data em que Lisboa inaugurava o primeiro parque com fauna e flora da Península Ibérica.

Nessa altura instalado no Parque de São Sebastião da Pedreira, o Jardim Zoológico de Lisboa era uma exposição de animais e de plantas, algo que ao longo do tempo se foi alterando profundamente.

Hoje, passados 130 anos, com instalações completamente renovadas e com um espírito cada vez mais rejuvenescido, o Zoo desempenha um papel fundamental na protecção e na conservação da Natureza, assentando a sua acção em quatro traves mestras: ensinar, conservar, reproduzir, reintroduzir. Quatro objectivos que, infelizmente, ainda passam desapercebidos a milhares de pessoas.

Quatro objectivos a que outras dezenas de pessoas dedicam o seu dia-a-dia. E é precisamente algumas dessas pessoas que, nas páginas que se seguem, nos ajudam a perceber a história e as “estórias” do Jardim Zoológico de Lisboa.

Uma fantástica sala de aula a conservação, aliada à educação e à transmissão de valores, é uma das grandes missões do Zoo. É fundamental conseguir passar a mensagem de que o futuro do Planeta só depende de nós. E é essa mensagem que diariamente o Centro Pedagógico procura transmitir. Antonieta Costa é a responsável por este espaço de aprendizagem e pela organização que permite transformar o Jardim Zoológico numa verdadeira sala de aula ao ar livre. Aliás, fruto dos programas educativos existentes, que vão do pré-escolar ao secundário, o Zoo foi reconhecido pelo Ministério da Educação pela capacidade de complementar o currículo escolar em algumas áreas, como Ciências e História. As visitas guiadas, as oficinas, os encontros com tratadores e a utilização de uma linguagem que se aproxima da usada pelos professores nas salas de aula são pormenores que contribuem para o enorme sucesso do Centro Pedagógico e dos seus programas, sem esquecer aqueles que, em época de férias, conduzem dezenas de crianças, muitas delas ano após ano, a marcarem presença nos ATL em que os animais são as estrelas principais. E são precisamente os ATL que dão um indicador bem positivo de que a mensagem tem passado. “O programa de férias dos 6 aos 16 já existe desde 1996, e é curioso observar que a maior parte dos animadores que hoje trabalham connosco foram ex-participantes e enveredaram por cursos de Biologia. É sinal de que a mensagem passou e isso é altamente compensador”, afirma Antonieta Costa, que acredita que, neste momento, a comunidade escolar tem toda a informação disponível à distância de um clique. O que faz falta, segundo a responsável, é motivar para agir.

“Não basta pôr um like numa notícia sobre o degelo ou sobre a desflorestação e depois deixar a água da torneira a correr, deixar as luzes ligadas… Esse tem sido o nosso grande foco e, também por isso, em todas as campanhas da EAZA – Associação Europeia de Zoos e Aquários lançamos um concurso para escolas. O último intitulou-se Desliga a Ficha e foi ao encontro daquilo que defendemos: mais do que dar informação, temos que motivar, temos que inspirar as pessoas a agir! Não é só educar, é motivar e responsabilizar!”

Essa tentativa de motivar e de responsabilizar foi precisamente um dos factores que fez com que a apresentação de aves em voo livre assumisse os contornos que assume hoje. Esqueça aquela ideia de que vai ver um espectáculo onde as araras andam de triciclo. “Deixámos para trás esse tipo de apresentação, para passarmos a promover apresentações assentes nos comportamentos naturais dos animais”, explica Hugo, um dos tratadores. “Por exemplo, a catatua-escavadeira escava para procurar sementes, o falcão-carcará remove pedras para procurar alimento, os abutres enfiam a cabeça nas carcaças simuladas, de forma a que as pessoas percebam o porquê de não terem pelagem na zona da cabeça e do pescoço… E depois alertamos sempre para as espécies em vias de extinção e para o facto de as pessoas adquirirem papagaios, araras ou outras aves para terem como animais de estimação.

É fundamental que as pessoas não se esqueçam de que muitas vezes estes animais são retirados do seu habitat natural e comercializados de forma ilegal.” E nem faltam exemplos na própria apresentação desta comercialização ilegal de animais.

“Temos o exemplo do nosso Yeti, esta corujinha-do-mar-tropical que não devia estar aqui, mas que nos chegou depois de uma apreensão de ovos no aeroporto de Lisboa. É impossível reintroduzi-la no meio ambiente, porque não sobreviveria, por isso está aqui connosco”, conta Clara, também ela responsável pelo treino dos animais.

“Temos outros casos, como um tucano, que é o único sobrevivente de 30 ovos, daí que um dos principais, senão o principal objectivo destas apresentações (aves e répteis), seja alertar as pessoas para a preservação das espécies e do seu habitat natural.” Curiosamente, não sendo este o habitat natural destas aves, onde se inclui um marabu com cerca de 32 anos de vida no Zoo, é um espaço que os animais aprenderam a reconhecer como casa. Basta pensarmos que seria fácil a qualquer deles bater as asas e tomar novos rumos, algo que nunca aconteceu, muito por força da relação que os treinadores conseguem estabelecer com eles. “Nós temos mesmo que criar laços com os animais”, afirma Hugo. “Para podermos fazer uma apresentação de voo, é necessário que os animais confiem em nós. E, fruto dessa confiança, conseguimos estabelecer diversos comportamentos médicos com eles, como cortar unhas, tirar sangue, mexer-lhes no bico, desinfectar feridas nas patas...” No fundo, são oito a dez horas diárias de convivência, muitas vezes ampliadas, como no caso de uma pecari-de-colar, uma porquinha muito especial que foi rejeitada pelos pais. Para conseguirem estabelecer ligação, os treinadores tiveram de dormir com ela na mesma cama durante duas semanas, não admirando por isso que, quando algo de mal acontece a um destes animais, “é como se estivesse a acontecer a um amigo muito próximo”, garantem quase em simultâneo Clara e Hugo. E se, por vezes, as lágrimas são impossíveis de controlar, também são muitas as vezes em que os bichos provocam gargalhadas. É o caso de Tomy, uma arara-vermelha que tem de ter um mosquetão na sua instalação pelo facto de contrariar a teoria de que as aves não são inteligentes. Clara conta a história. “Nós pesamos as aves e a comida diariamente e começámos a notar que o Tomy estava a engordar.

Tentando compreender o que estava a passar-se, percebemos, então, que ele abria a porta da sua instalação, ia à instalação do lado comer a comida da vizinha, fechava as duas portas e ficava como se nada se tivesse passado...”

 

Entre saltos e mergulhos

Esta forte ligação entre tratadores, treinadores e animais volta a fazer-se sentir no Delfinário, uma das maiores atracções do Jardim Zoológico de Lisboa, que recentemente ganhou um novo habitante: o Yuki, a primeira cria de golfinho-roaz a nascer no nosso Zoo (ver caixa). “Foi como se estivesse a nascer alguém da nossa família!

Não vou dizer que é como se fosse um filho, mas é como se fosse alguém muito próximo”, afirma Arlete Sogorb, responsável pelo Centro de Vida Marinha, que garante que a sensação de perda é igual. “É como perder um amigo!” E isso aconteceu com o Nazaré, uma baleia piloto transferida para o Zoo a necessitar de cuidados e de uma piscina com dimensões superiores. “Os treinadores dormiam nesta casa, ao lado da piscina, para poderem alimentá-lo horas e horas a fio”, recorda a veterinária. “O Nazaré viveu connosco dois anos muito intensos. Fui chamada várias vezes a meio da noite, por exemplo, porque ele estava com infecções, mas a verdade é que ele conseguiu ultrapassar todos os problemas que iam surgindo. Quando o sentimos mais forte, passámo-lo para a Baía dos Golfinhos e a sua integração foi fantástica! Correu tudo tão bem que, a determinado momento, estava tudo preparado para ele se juntar a um grupo de baleias-piloto naquele que seria um cumprir de todo o ciclo na recuperação de um animal, apesar de não poder ser reintegrado na Natureza por estar muito apegado aos seres humanos. Sem qualquer explicação, no espaço que mediou duas apresentações, o

Nazaré rompeu duas barreiras e sofreu um traumatismo craniano. A morte dele mudou a estrutura da equipa e mudou cada um de nós enquanto indivíduos. Durante vários meses foi muito, muito duro...” A proximidade entre treinadores e animais que se vive no Centro de Vida Marinha em muito se deve ao facto de os golfinhos serem animais muito inteligentes e com capacidades cognitivas muito elevadas.

“Se tivéssemos um golfinho apenas em exposição, muito provavelmente ele estaria aborrecido”, revela a responsável. “O treino e todo este estímulo despertam a actividade física, mental e intelectual dos golfinhos, daí que os treinadores sigam várias premissas que permitem tocar cada uma destas áreas.” E, na opinião de Arlete, a qualidade do trabalho dos treinadores é precisamente um dos pontos que ajuda a explicar o sucesso do Delfinário. Neste “conjunto de pequenas acções correctas” cabem a boa qualidade da água (“nós temos um sistema de tratamento de água incrível, uma mini-EtAr com quatro funcionários a full time a tratar da água”), uma boa alimentação (“o nosso peixe é de primeiríssima qualidade, comprado sempre fresco, congelado, descongelado e manuseado respeitando todas as normas”), os suplementos vitamínicos que os animais tomam, os cuidados veterinários e a medicina preventiva (“todos estão treinados para deixar tirar suco gástrico e sangue quatro vezes por ano) e a existência de uma boa estrutura social (“tendo em conta que os golfinhos são matriarcais, é importante termos uma mãe e filha e termos machos compatíveis”).

Ao contrário do que acontece com muitas outras espécies, no caso dos golfinhos a reintrodução não consta dos planos do Jardim Zoológico. A população existente não pertence à lista de espécies ameaçadas e, por isso, o objectivo passa por manter esta população estável ao nível dos zoológicos, para que nunca seja necessário ir buscar animais ao meio natural. É, no fundo, uma forma alternativa de preservação.

 

Em perigo

Bem diferente é o caso, por exemplo, do órix-de-cimitarra, espécie extinta na Natureza. A caça, a perda do habitat e a competição com o gado doméstico foram as causas para a sua extinção. Incluída no apêndice I da CITES (Convenção sobre o Comércio

Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagem Ameaçadas de

Extinção), existe apenas sob cuidados humanos e em áreas protegidas vedadas, como é o caso do Jardim Zoológico de Lisboa. “É um exemplo do papel dos bons jardins zoológicos”, afirma José Dias, curador de mamíferos do Zoo e coordenador do Programa Europeu de Reprodução (EEP) dos leopardos-da-pérsia.

“Em relação ao leopardo-da-pérsia, para além de coordenarmos, a nível europeu e mundial, o programa de reprodução, ou seja, todos os jardins zoológicos que tenham leopardos-da-pérsia, que só na Europa são 40, seguem as nossas recomendações e directrizes, estamos a dar aconselhamento técnico no âmbito de um programa que visa a reintrodução de animais provenientes de jardim zoológico no habitat natural”, explica o curador. “Temos indicação de reprodução na maioria dos casos e as crias, caso se enquadrem em determinados parâmetros, são encaminhadas para um centro de reprodução, o Parque de Sochi, no Cáucaso russo. Há dois anos enviámos um casal de leopardos-da-pérsia, o Zadig e a Andrea, considerado um dos que mais reproduzia na Europa e com uma boa base genética, e no ano passado nasceram duas crias, algo que na Rússia já não acontecia há 50 anos! Estamos a falar de uma espécie que está extinta no Cáucaso russo, zona onde conseguimos delimitar uma área para proceder à reintrodução da espécie no seu meio ambiente.”

Essas duas crias estão agora num processo de rewilding, estão a voltar a ser selvagens, e daqui a um ano, caso estejam aptas a sobreviver no seu habitat natural, reconhecendo as presas e sabendo caçá-las, por exemplo, serão levadas para essa zona protegida, um parque completamente fechado a visitantes e monitorizado por guardas florestais. “É um passo fundamental quando pensamos que, a nível europeu, apenas existem 80 animais desta espécie e 35 casais aptos a reproduzirem-se”, sublinha José Dias.Mas os casos de reintrodução com a marca do Jardim Zoológico não são de hoje. Se recuarmos 20 anos, encontramos a reintrodução do rinoceronte-negro, a Shibula, que já tem uma descendência de 11 animais e que é um claro caso de sucesso. E actualmente o Zoo de Lisboa participa em cerca de 140 programas de reprodução em jardim zoológico. “Isto significa que cerca de 70% das espécies que nós temos fazem parte de um programa europeu com um coordenador que analisa a parte genética da população e recomenda transferências entre jardins zoológicos, bem como a necessidade de apostarmos na reprodução. No fundo, tentamos pensar na espécie como um todo, e não no animal em si. O animal vai contribuir para a manutenção e preservação da espécie, e com esse objectivo existem trocas de animais entre zoos. Por exemplo, podemos trocar um leão por um elefante se os coordenadores dos respectivos programas considerarem que isso é o melhor para as espécies em causa”, explica.

E o que muitas pessoas desconhecem é que existem seis programas em que é o Jardim Zoológico de Lisboa a dar as coordenadas: impala-de-face-negra, leopardo-da-pérsia, saguim-imperador, niala, periquito-dourado e tartaruga-espinhosa. Mais, actualmente participa em 68 programas de reprodução europeus (EEP), 44 studbooks europeus e 41 studbooks internacionais, o que totaliza 153 programas de conservação ex situ referentes a 115 espécies ou subespécies.

 

Um pouco por todo o mundo

Uma das formas pelas quais o Jardim Zoológico pretende cumprir o seu papel na conservação in situ da biodiversidade é através de verbas do Fundo Geral para a Conservação in situ do Jardim Zoológico (Lisbon Zoo in situ Conservation Fund), que foi criado em 2005. Este fundo foi iniciado com três objectivos:

– Financiar diversos programas de conservação, nos quais já participa de forma obrigatória (ex.: koala, okapi, etc.) ou voluntária (ex.: mico-leão-dourado, dragão-de-komodo, etc.);

– Apoiar outros programas de conservação que tenham interesse para o Jardim Zoológico (programas ligados a espécies emblemáticas para as quais sejam construídas novas instalações, tais como gorilas, elefantes, etc.);

– Dinamizar a implementação de programas coordenados pelo Jardim Zoológico (Floresta de Farankaraina, em Madagáscar).

Pensemos, por exemplo, neste último. Madagáscar é uma ilha com uma elevada taxa de endemismo (cerca de 75%), tanto a nível da sua fauna como da sua flora. Alguns exemplos de espécies que não se encontram em mais nenhuma parte do mundo são as diferentes espécies de lémures, das quais o Jardim Zoológico de Lisboa possui seis espécies nas suas colecções, ou a enorme variedade de camaleões e anfíbios ali existentes. No entanto, actualmente só restam entre 5% a 8% da floresta tropical original que cobria

Madagáscar quase por inteiro, levando a que a maioria das espécies endémicas da fauna e flora se encontrem ameaçadas. Foi essa a razão que levou o Jardim Zoológico a iniciar, em 2007, um importante programa de conservação, em conjunto com o Zoo de Doué-la-Fontaine, em França, numa das últimas florestas intactas de Madagáscar, a Floresta de Farankaraina.

Quanto ao Programa de Conservação in situ dos Okapis, que foi iniciado em 1987, assenta nos seguintes pontos: formar e equipar os guardas da reserva; melhorar as condições de vida das populações locais e a sua educação no sentido de saberem fazer o uso sustentável da floresta; criação e manutenção do Centro de Formação e Investigação em Conservação Florestal em Epulu (distrito de Ituri).

A instabilidade política e os conflitos armados na região têm dificultado já foram destruídos pelo homem e a protecção sobre os restantes 20% é quase inexistente), ao Programa de

Conservação in situ dos Gorilas, nos Camarões (o Zoo apoia este projecto no quadro das suas novas instalações para grandes primatas), aos Programas de Conservação in situ dos Micos-Leões e dos Macacos-Capuchinho, ambos no Brasil, e ao Programa de Conservação in situ da Zebra de Grevy, na Etiópia e Quénia.

 

Trabalhar para o futuro

Voltemos a território nacional, onde nos aguarda Rui Bernardino, um dos médicos do Hospital Veterinário inaugurado em 2008 e que já foi considerado o melhor da Europa pela EAZA.

Com a instalação das chitas como pano de fundo, é precisamente esse o primeiro ponto a ser destacado. “O caso das chitas é, desde logo, muito interessante, por ser um exemplo de projecto conjunto de construir novas instalações preparadas para a reprodução. É que, ao contrário dos outros felinos, se o macho e a fêmea viverem em conjunto, as chitas não se reproduzem. Na Natureza, as fêmeas vivem sozinhas e encontram-se com os machos pontualmente, para acasalarem”, explica o veterinário. “Para lá de termos isso em atenção, a fêmea tem de perceber que o macho circunda o seu território, portanto o macho tem que marcar território numa altura em que as fêmeas não estão presentes.”

O trabalho foi coroado de sucesso ao fim de dois meses, com o nascimento das primeiras crias de chita no Zoo de Lisboa, em 2012. Tal como no seu meio natural, dentro em breve estes dois machos e três fêmeas vão começar a separar-se da mãe e irão para outros zoos, de forma a manter a maior variabilidade genética possível. “Isto é fundamental quando há 90 instituições na Europa com chitas e apenas 10% conseguem promover a sua reprodução”, afirma

Rui Bernardino, que sublinha o facto de dar a conhecer a importância do

Jardim Zoológico para a reprodução das espécies. “Leva tempo passar esta mensagem de que o Zoo é mais do que uma exposição de animais. É um trabalho diário, mas de geração para geração nota-se uma mudança de perspectiva e de comportamento. Se conseguirmos passar esta mensagem às crianças que hoje nos visitam com os pais, e que serão os pais do futuro, estaremos a dar um passo muito importante para atingirmos os nossos objectivos.”

 

Reinventar a cidade dos animais

O que é que mudou com o fim das grades?

 Leonel Carvalho, director de manutenção, está no Jardim Zoológico há mais de 20 anos.

Não admira, por isso, que encare as mudanças operadas ao nível das instalações dos animais não como um projecto de arquitectura, mas como um projecto de vida.

Olhando para o Jardim Zoológico como “um espaço mágico”, Leonel Carvalho defende que, ao contrário do que acontece quando exerce arquitectura fora do Zoo, este é um local onde cada habitante nos coloca desafios completamente diferentes e verdadeiramente surpreendentes.

“Reinventar o Jardim Zoológico enquanto espaço obriga a respeitar uma história que já vai em 130 anos e a criar cada vez melhores condições para que os animais possam viver e possam reproduzir-se. Para que possamos continuar a ser um banco genético para as espécies que vão desaparecendo na Natureza.” Assim, todas as mudanças têm sido feitas de forma a não fazer desaparecer a memória colectiva que as pessoas têm do Jardim Zoológico, nem que seja as que remontam ao tempo em que Vasco Santana nos permitia ver e ouvir o elefante a tocar a sineta. “Creio que esse é um dos maiores desafios: temos pessoas que nos visitam várias vezes ao longo de uma vida e a quem queremos dar sempre algo diferente, sem desvirtuar aquele sabor antigo que faz com que a história do Jardim Zoológico se componha também das recordações dos visitantes”, explica o arquitecto.

E neste exercício de preservação e de criação de novas memórias, neste espaço que o director de manutenção apelida de “Cidade dos Animais”, as obras mais emblemáticas passam pelo Solar dos Leões, pelo interior da instalação dos elefantes, pelo Delfinário, pelas novas instalações dos tigres, pelo espaço para os okapis, pelo Centro Pedagógico e, claro, pela verdadeira revolução nas instalações dos primatas. Foi necessário mudar a localização da clínica veterinária, arrancar alcatrão, derrubar vedações, para conseguir o espaço onde hoje estão os gorilas, os chimpanzés e os orangotangos.

Um espaço já carregado de “estórias”, como a do dia em que os gorilas foram conduzidos às novas instalações.

“Antigamente, existia o que se chamava de A Casa do Gorila, um espaço fechado onde os animais não sentiam nem sol, nem chuva e onde pouco viam o céu. Quando se abriram as portas da nova instalação, com todo este espaço verde, com água, o gorila esteve três dias sem sair. Espreitava e voltava para dentro. Só ao terceiro dia decidiu pisar a relva, voltando logo para trás. E não vou esquecer a alegria com que, depois de ter ganho confiança, correu a descobrir o novo espaço que lhe tínhamos preparado”, recorda Leonel, que tem a certeza de que estas novas instalações dão muito melhores condições aos animais. “Os animais deixaram de estar tristes, deixaram de estar a um canto ou de andar de um lado para o outro, num comportamento próprio de animais enjaulados. Nestas novas instalações, os animais adoptam comportamentos naturais e a própria reprodução aumentou.”

Estes novos espaços ajudam igualmente a passar a mensagem da necessidade de conservarmos um

Planeta em perigo. A mensagem de que ir ao Jardim Zoológico é mais do que vir olhar para os animais. “É sair daqui desperto para o contributo que cada um tem que dar para que as próximas gerações recebam um Planeta menos ferido. É sair com a consciência de que, se nada fizermos, daqui a 20 ou 25 anos estes gorilas, estes chimpanzés, estes orangotangos, poderão estar extintos na Natureza.”

 

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