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ELES JÁ ANDAM AÍ!
Eles já andam aí!
2011-06-01
Eles já andam aí!

Há 100 anos os carros eléctricos dominavam a industria automóvel, mas em 1930 desapareceram.

Agora estão de volta, não chegam para encomendas, e já ninguém duvida que vieram para ficar.

 

O Nissan Leaf é o Carro Europeu do Ano 2011 e o Carro Mundial do Ano 2011. “Este cinco lugares, cinco portas, é o primeiro modelo totalmente concebido de raiz para ser um veículo eléctrico de produção em série. Tem autonomia superior a 160 quilómetros, leva oito horas a ter carga total e emite zero gramas de CO2. O seu baixo centro de gravidade permite um comportamento excelente, praticamente isento de sub-viragem ou rolamento de carroçaria. As boas notícias? Parece um carro normal, mas ainda mais silencioso”, justificou o júri do prémio “Carro Mundial do Ano 2011”.

Pela primeira vez estas distinções foram atribuídas a um veículo 100% eléctrico. “Tal como anteriores vencedores, o Nissan Leaf é um carro atractivo e competitivo, sem comprometer o estilo, a segurança, a performance e a condução”, referiu Carlos Ghosn, presidente da Nissan Motor Company, na cerimónia de entrega do prémio Carro Mundial. E acrescentou: “No entanto, destaca-se por ser um carro inovador que reflecte uma visão clara sobre o futuro dos transportes – uma visão de mobilidade sustentável”.

Esse futuro está cada vez mais próximo à medida que os construtores de automóveis vão apresentando os seus modelos eléctricos. Em Portugal tanto a Nissan como a Mitsubishi, que fabrica o i-MiEV, entregaram os primeiros carros eléctricos em Dezembro de 2010. No início do ano foi a vez da Citroen e da Peugeot, que comercializam modelos gémeos do i-MiEV, o C-Zero e o iOn, respectivamente.

Em Outubro a Renault entra em cena com a Berlina Fluence Z.E. (zero emissões) e o comercial Kangoo ZE. A marca francesa aposta numa gama completa de veículos eléctricos e no final do ano ou no início de 2012 comercializará o Twizy Z.E., de dois lugares, considerado como uma alternativa mais segura do que as tradicionais scooters. Em meados de 2012 chega o Zoe Z.E., citadino polivalente de dimensão semelhante à do Clio, mas com design futurista.

Em breve outros construtores trilharão o caminho eléctrico. Basta ver o que se passou em Março no Salão Automóvel de Genebra, onde a maioria das novidades foram carros híbridos ou eléctricos – até a luxuosa Rolls Royce apresentou o 102 EX, versão 100% limpa do modelo Phantom. As marcas justificam esta estratégia pelo aumento do preço dos combustíveis e pela crescente consciência ambiental dos clientes. Mas há também a necessidade de ir ao encontro das decisões do poder político para reduzir a emissão de gases com efeito de estufa. Por exemplo, o Governo português pretende que, em 2020, os carros eléctricos perfaçam 10% do parque automóvel. O Governo alemão estabeleceu a meta de um milhão de veículos de zero emissões para a mesma data. Em Março deste ano o Comissário Europeu dos Transportes foi mais longe e propôs o fim dos carros com motor de combustão para 2050.

 

A quem se destinam?

Os veículos eléctricos não emitem gases poluentes. Por isso são a escolha acertada para quem tem preocupações ambientais, mas necessita de se deslocar de automóvel. No entanto, quem pensa em comprar um carro eléctrico deve considerar outros aspectos. Um deles é a autonomia da bateria, que varia entre 120 e 160 km, consoante o modelo e o tipo de condução. Ora, na Europa, 87% das viagens diárias são inferiores a 60 km e 32% dos condutores nunca fazem trajectos superiores a 150 km. Assim, é seguro dizer que o carro eléctrico é adequado para quem vive a menos de 50 km do local de trabalho. Outro aspecto a ter em conta é a possibilidade de carregar as baterias à noite numa garagem. Porquê? As baterias demoram seis a oito horas a carregar. Fazendo-o de noite, com tarifa bi-horária, estes carros gastam pouco mais de um euro para fazer 100 km. É certo que a rede piloto de mobilidade eléctrica disponibilizará 1.300 postos de carregamento normal e 50 postos de carregamento rápido até ao final do ano, mas aí a energia será mais cara.

O preço do veículo é outro factor a ter em conta. Os primeiros cinco mil compradores beneficiam de um subsídio de 5.000 euros por parte do Estado. Quem tiver um carro para abate pode deduzir mais 1.500 euros ao valor inicial. Além disso os carros eléctricos estão isentos de imposto único de circulação e de imposto sobre veículos. Mais. A aquisição de veículos eléctricos por pessoas colectivas permite deduzir em sede de IRC.

Os carros eléctricos não são baratos. Por exemplo, o Nissan Leaf custa 35.990 euros e o Mitsubishi i-MiEV custa 35.250 euros (ambos os valores não incluem o subsídio de 5.000 euros). Porém, além do baixo consumo, têm a vantagem de necessitarem de pouca manutenção, pois não incluem componentes presentes nos carros com motor térmico, como velas, óleo, filtros, etc.

O preço elevado deve-se ao custo das baterias, que representam metade do valor do veículo. Os construtores acreditam que, a curto prazo, as baterias serão significativamente mais baratas. Por isso a Renault optou por alugá-las. “É uma opção lógica que permite diluir o custo ao longo do tempo. As baterias duram cerca de oito anos. Os clientes só pagarão a bateria enquanto tiverem o carro. Se ela avariar, recebem uma nova”, explica Ricardo Oliveira, director de comunicação da Renault Portugal. Assim, o Fluence Z.E estará à venda por 27.000 euros (22.000 com subsídio), mais 79 euros mensais pelo aluguer da bateria.

Se as virtudes ambientais e o baixo consumo não o convenceram saiba que conduzir um destes carros eléctricos é um autêntico prazer, tanto pela ausência de ruído, como pelas mudanças automáticas ideais para o trânsito citadino. Além disso, como o motor é eléctrico, o binário máximo está sempre disponível, permitindo acelerações elevadas em qualquer rotação. Como disse um dos jurados do prémio “Carro Europeu do Ano 2011” a propósito do Nissan Leaf: “Já vi muitos cínicos mudarem completamente de opinião depois de o conduzirem”.

 

Nas estradas Lusas

Em Portugal circulam 35 Nissan Leaf. “Primeiro entregámos carros a empresas e depois a particulares”, informa António Pereira Joaquim, director de comunicação da marca nipónica. Este ano a Nissan produzirá 20 mil Leaf, quantidade que não será suficiente para responder às 27 mil reservas a nível mundial. “Só nos Estados Unidos temos 17 mil encomendas”, refere o director de comunicação. A marca aposta forte nos veículos eléctricos e, em 2013, produzirá 200 mil Leaf e terá dois novos modelos: o comercial NV200 e um carro de luxo da gama infiniti.

O carro eléctrico da Mitsubishi, o i-MiEV, também já percorre as estradas nacionais. “Até ao momento entregámos 20 carros e esperamos vender 100 unidades até ao final do ano”, comunica João Viegas, relações públicas da Mitsubishi Portugal. A empresa japonesa iniciou a produção do i-MiEV em 2009 e, até ao final de 2010, fabricou e vendeu 11 mil unidades. A partir de 2012 produzirá 40 mil unidades por ano. O sucessor do i-MiEV chegará ao mercado em 2014 e será uma versão 100% eléctrica do modelo Global Small. “A Mitsubishi terá também um SUV plug-in híbrido, com uma bateria com autonomia para algumas dezenas de quilómetros que poderá ser carregada na tomada eléctrica”, partilha João Viegas.

Além do Citroen C-Zero e do Peugeot iOn já há outros veículos eléctricos nas estradas portuguesas, como o REVA-i, um quadriciclo com 2,64 metros de comprimento, velocidade máxima de 80 km/h e autonomia de 80 km a 120 km, e o Smart Fortwo Electric Drive, disponível para empresas no sistema de leasing.

A título de curiosidade saiba que, desde 2006, a Tesla já entregou 1.650 unidades do modelo Roadster em todo o mundo. Este desportivo 100% eléctrico custa 100 mil euros, vai dos 0 aos 100 km em 3,7 segundos, atinge os 200 km/h e tem autonomia superior a 350 km.

 

À terceira é de vez

Modelos como o i-MiEV, Leaf ou Fluence Z.E ultrapassaram os constrangimentos anteriormente apontados aos carros eléctricos, tais como pouca fiabilidade, baixa velocidade, escassa autonomia e elevado custo dos primeiros protótipos.

Mas porquê só agora? A verdade é que esta é já a terceira vida dos carros eléctricos. O primeiro veículo eléctrico foi construído pelo escocês Robert Anderson nos anos 30 do século XIX. Nas décadas seguintes surgiram na Europa e nos Estados Unidos novos modelos com vários melhoramentos. Em 1897, nos Estados Unidos, a cidade de Nova Iorque recebeu a primeira frota de táxis eléctricos.

No virar do século os veículos eléctricos reinavam sobre os concorrentes movidos a gasolina ou a vapor. Não tinham o cheiro, a vibração e o ruído produzidos pelos carros a gasolina, nem mudanças, que dificultavam a condução. Os carros a vapor também não tinham mudanças, mas demoravam até 45 minutos a pegar.

A produção de veículos eléctricos teve um pico em 1912 e eles mantiveram a liderança até 1920. Depois tudo mudou. A descoberta de petróleo no Texas reduziu o preço da gasolina e, finalmente, Henry Ford iniciou a produção em massa de veículos com motor de combustão interna, o que permitiu baixar o preço destes produtos.

Resultado: a indústria de carros eléctricos desapareceu em 1930. Foi preciso esperar 60 anos e vários protótipos até que o Conselho de Qualidade do Ar da Califórnia (CARB) criasse um programa cujo objectivo era que, nas estradas deste Estado norte-americano, circulassem apenas veículos com zero emissões de gases. Os grandes construtores responderam com a produção de veículos eléctricos. A Chrysler apresentou o TEVan, a General Motors o EV1, a Toyota o RAV4 EV, a Nissan o Altra EV e a Honda o EV Plus.

Contudo, a General Motors, a Toyota e a Chrysler recorreram ao Tribunal Federal e processaram o CARB. Além disso, a generalidade dos construtores recusaram-se a promover os veículos e, em vez de os venderem, criaram uma modalidade especial de leasing. Quando a CARB recuou nas medidas implementadas a General Motors, que produziu o EV1 entre 1996 e 1999, recolheu e destruiu todos exemplares. As outras marcas tiveram estratégia igual, com excepção da Toyota, que continua a dar assistência às várias centenas de RAV 4 EV que estão nas mãos de particulares.

No documentário Quem matou o carro eléctrico? (2006) o realizador Chris Paine aponta vários culpados. Entre eles figuram os construtores de automóveis, a indústria petrolífera e a administração Bush – cujas figuras de maior destaque foram directores de empresas petrolíferas e do ramo automóvel —, que processaram o CARB. Paine refere que as petrolíferas temiam perder, durante as próximas décadas, triliões de dólares no negócio dos combustíveis. E acusa-as de terem comprado patentes das baterias de níquel-hidreto metálico (Ni-MH) para impedirem que fossem usadas em carros eléctricos nos Estados Unidos. O documentário sugere ainda que os construtores boicotaram o novo fôlego dos carros eléctricos por estes necessitarem de menos manutenção, o que, a longo prazo, diminuiria os rendimentos dos comerciantes de automóveis.

O que mudou? Vários factores, como a subida do preço do petróleo, as políticas que obrigam a uma redução da emissão de gases com efeito de estufa, a opinião pública cada vez mais sensibilizada para questões ambientais, e, não menos importante, o impulso dado pela indústria dos telemóveis. Como admite João Viegas: “A produção de um carro como o i-MiEV só foi possível graças ao desenvolvimento das baterias para os telemóveis”. Os novos modelos de veículos eléctricos estão equipados com uma nova geração de baterias de iões-lítio que, há semelhança das dos telemóveis – não possui efeito de memória de carga, ou seja, não perde capacidade quando sujeita a carregamentos incompletos.~

 

Sustentável, mas…

Para já, a oferta de carros eléctricos é ainda reduzida e não chega para as encomendas. O número de veículos zero emissões a circular em todo o mundo aumentará brevemente à medida que outros construtores começarem a produzi-los em série e, principalmente, quando o preço das baterias baixar de maneira significativa. No entanto, as virtudes ambientais destes veículos só se manterão se a electricidade que os alimenta for produzida através de fontes de energia renováveis, como o Sol e o vento.

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