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LUÍSA SOBRAL
Luísa Sobral
2015-06-04
Luísa Sobral

Aos 27 anos, Luísa Sobral completa mais uma etapa da sua carreira lançando um disco para crianças. Lu-Pu- -I-Pi-Sa-Pa, assim se intitula o trabalho, numa alusão à linguagem dos pês, é um desejo antigo que tão cedo não pensa repetir. Mas que se está a revelar um enorme desafio. Tal como conseguir “abanar” a consciência ambiental das pessoas para o facto de, invariavelmente, bastarem vários pequenos gestos para conseguirmos um planeta melhor para todos.

 

Sendo esta uma revista sobre ambiente e sustentabilidade, permita-me começar por recordar um projeto em que esteve envolvida, em defesa do Vale do Tua, e de onde saiu, por exemplo, a canção Os Sítios mais Lindos que Vi, em parceria com a Márcia. Como surgiu essa ideia?

 

O convite partiu da Márcia e eu decidi ir com ela ao Vale do Tua para conhecer e para falar com as pessoas, até porque sou de opinião que não faz sentido estar a ser a cara de algo sem conhecer bem a realidade. Era uma altura em que a ideia de construir a barragem estava parada e em que acreditámos que era possível fazer algo, e achei que era algo em que valia a pena participar.

 

Não repetiu essa experiência de, se assim lhe podemos chamar, “cantar para intervir”…

 

Sabe, a seguir a isso recebi alguns convites para outras situações relacionadas com a Natureza, mas acabei por dizer que não. Acho que se começamos a associar-nos a demasiados projetos que visam intervir ou protestar contra algo, aqueles em que participamos porque neles acreditamos efetivamente acabam por perder impacto. Foi por isso que até agora não voltei a repetir o que fiz em relação ao Tua.

 

Podemos dizer que o surgimento desses vários convites reforçam a ideia de que a música pode ser um ótimo veículo para passar mensagens relacionadas com o ambiente, a sustentabilidade…

 

Sem dúvida que a música é um ótimo veículo para passar mensagens. Inúmeras vezes acaba por tornar-se mais simples interiorizarmos algo, até inconscientemente, que nos é dito de forma cantada do que se nos for dito em forma de discurso, por exemplo. A mensagem passa de forma mais suave, podendo chegar a mais pessoas do que chegaria se fosse apenas escrita. Mas até por isso creio que devemos dosear a forma como cantamos a favor ou contra algo e temos que perceber quando devemos, ou não, tomar posições. Por exemplo, as pessoas que vão ao meu Facebook fazem-no porque gostam da minha música, não porque querem saber as minhas opiniões sobre o mundo. Obviamente que eu tenho os meus pontos de vista, mas parece-me importante perceber onde e quando devo expressá-los.

 

A sua música espelha isso mesmo, afastando-se da chamada “música de intervenção”…

 

Sem dúvida. Aquilo que fiz de mais interventivo foi precisamente a canção sobre o Tua, mas eu estou longe de ser uma cantora de intervenção e nem faço tensões de sê-lo.

 

A propósito de música, o seu último álbum é um regresso à infância. Se fizesse esse flashback ao tempo em que estas canções a levam, sente que hoje as crianças que andam na escola estão muito mais informadas e existem muito mais ações que as alertam para a necessidade de proteger o planeta e para temas como a sustentabilidade?

 

Sinto. Em casa dos meus pais, por exemplo, a reciclagem é algo que hoje é normal, mas que nessa altura não se fazia. Aliás, creio que se deve poder contar pelos dedos o número de pessoas que reciclava. Mas a partir do momento em que se percebeu que era algo importante, começou-se a reciclar, até porque o meu pai sempre foi muito virado para questões ambientais. Lembro-me de que todos os anos fazíamos uma viagem maior e os destinos escolhidos relacionavam-se sempre com Natureza, portanto essa proximidade e esse respeito foi algo com que cresci. Mas, sim, hoje há muito mais informação e é cada vez mais comum serem as crianças a levar a mensagem ecológica aos pais. Curiosamente, há países onde tenho estado e onde o processo de reciclagem parece muito mais complicado do que em Portugal. Lembro-me que, quando estive em Nova Iorque, havia um dia por semana para a recolha de papel, outro para a recolha de embalagens, o que acaba por criar um problema: se deixamos passar o dia, temos que acumular em casa até à semana seguinte. Depois há outros países, como a Bélgica, onde as pessoas apanham multa se não reciclarem, por isso acredito que em Portugal o sistema até é equilibrado e funciona.

 

Portanto, já se percebeu que a Luisa faz a separação do lixo…

 

Faço, sempre fiz, embora na zona onde estou tenha que utilizar o carro para me deslocar ao ecoponto. Eu dou-me a esse trabalho, mas há pessoas que não têm paciência e colocam tudo junto no contentor do lixo comum. No fundo, como em tantas outras situações, quanto mais facilitado for o processo, mais pessoas irão aderir.

 

Embora existam pessoas que não separam os resíduos porque o ecoponto fica a 50 metros… Podemos dizer que este respeito pelo planeta e, no fundo, pelos outros se resume muito a pequenos gestos e que dá que pensar o porquê de, por exemplo, ainda haver pessoas a atirarem as beatas janela fora quando têm um cinzeiro no carro?

 

Essa é das coisas que mais me tira do sério! Confesso que não consigo entender como é que ainda existem pessoas que atiram o lixo pela janela. Para mim, isso é pré-histórico e só me dá vontade de voltar a atirar o lixo para dentro do carro ou de casa! Também acho nojento, acho que é mesmo esta a palavra, não apanhar o cocó do cão. Eu tenho dois cães e tenho esse cuidado. 

 

E que outros cuidados tem com o ambiente?

 

Por exemplo, eu sou vegetariana por achar que como nós comemos muita carne acabamos por passar a ter que alimentar os animais de forma diferente. Essa carne modificada foi algo que reparei imenso nos Estados Unidos, e foi nessa altura que deixei de comer carne. Atenção, que não sou nada de extremos e irrito-me facilmente com pessoas que acham que os outros devem pensar e agir como elas. O que eu penso é que só uma pessoa pode não fazer a diferença, mas se muitas pessoas pensarem assim talvez exista a possibilidade de criar os animais de uma forma melhor. Também costumo comprar legumes biológicos, encomendando um cabaz que me é entregue em casa e que, ao contrário do que as pessoas pensam, não fica muito mais caro do que ir a um supermercado convencional. E o sabor dos alimentos não tem comparação! No fundo, eu preocupo-me bastante em saber a proveniência das coisas que como. Também tenho o cuidado de não tomar banhos de imersão e tenho atenção às torneiras abertas quando não é necessário, evito deixar luzes acesas se não estou nas divisões… acabo por fazer aquilo a que fui habituada em pequena e tento comportar-me como alguém que gosta da Natureza. Aliás, nas últimas férias fui para uma fajã, nos Açores, onde não havia eletricidade e onde apenas vivem duas ou três pessoas durante o ano inteiro e adorei! Cozinhei à luz das velas, quem comia peixe pescava-o...

 

Falou de hábitos que ganhou em pequena e é a esses tempos que regressa neste seu novo disco. Foi uma ideia que já vinha sendo maturada ou foi um impulso?

 

Fazer um disco para crianças era algo que eu já desejava há bastante tempo, mas percebi que em termos de carreira fazia todo o sentido assumir primeiro o meu estilo. Assim, os dois primeiros discos deixaram bem explícito quem eu sou e abriram espaço para, agora sim, fazer este disco para crianças sem correr o risco de ser conotada como uma cantora infantil.

 

É um disco que acaba por alterar a forma como habitualmente promove os seus trabalhos?

 

Desde logo acaba por ser uma experiência muito interessante estar a fazer concertos no estrangeiro para adultos e depois, em Portugal, fazê-los para crianças. Eu gostava de poder fazer concertos mais cedo, por exemplo às 18h, mas as pessoas não estão habituadas e acabámos por ter que agendar os primeiros concertos para a noite, o que é complicado para as crianças. Portanto, um dos grandes objetivos é ter concertos mais cedo.

 

E que balanço faz do lançamento do disco?

 

Tem sido fantástico ver a reação das crianças, porque a música tem passado no canal Panda e eles sabem a letra. Depois as crianças conseguem ser muito mais espontâneas do que os adultos e mostram logo se gostam ou não, o que faz com que esta esteja a ser uma experiência muito emotiva. E isso é um problema, porque eu emociono-me muito com a reação das crianças. Se estiverem a cantar as músicas mais mexidas e alegres, ainda consigo disfarçar, agora quando as ouço cantar as baladas fico mesmo emocionada, portanto é um desafio extra conseguir controlar-me.

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