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O CÉU PODE ESPERAR?
O céu pode esperar?
2014-03-05
O céu pode esperar?

Nos primeiros dias do ano, o relatório de uma seguradora alemã, a Munich Re, divulgava a lista das dez piores catástrofes naturais ocorridas no planeta entre 1980 e 2012 e ainda o balanço das tragédias registadas em 2013. Do top ten constavam seis terramotos e quatro fenómenos meteorológicos extremos, dois dos quais observados em zonas do planeta onde não são habituais manifestações tão violentas. Das 880 catástrofes naturais registadas em 2013, a seguradora destacou como mais devastadoras o tufão Haiyan, que fustigou em Novembro o sudeste das Filipinas, e as inundações ocorridas em Junho na Alemanha e países limítrofes, cujos prejuízos ascenderam a 11,7 mil milhões de euros. Estes balanços não são uma novidade, mas aumentou a consciência de que a Natureza está a falar-nos de uma forma mais agreste e numa língua até há pouco desconhecida em vários locais do mundo.

Em 2007, ano em que se realizou em Bali mais uma Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a ONU também divulgou uma lista de catástrofes naturais, mas só relacionadas com alterações do clima. Entre 2000 e 2007, anunciava o relatório da ONU, cerca de 164 milhões de pessoas tinham sido vítimas de inundações e, em 2006, das dez catástrofes mais mortíferas, apenas uma não teve origem meteorológica. Entre os países mais massacrados contavam-se os Estados Unidos, a China e a Índia, ironicamente três das potências que mais têm bloqueado as negociações para a redução da emissão de gases com efeito de estufa. Sete anos depois, os países mais afectados continuam divididos entre o receio de sofrer novas catástrofes e a vontade de manter os seus modelos económicos baseados no petróleo.  

 

Braços de ferro


À medida que os relatórios científicos vão revelando os impactos negativos dos gases com efeito de estufa e a Natureza vai corroborando essas teses, aumenta a pressão sobre os países com mais responsabilidades nas emissões de CO2, derivadas da queima de combustíveis fósseis. Mas quando são chamados a participar nas cimeiras internacionais sobre ambiente não se entendem e, na hora do balanço, esses eventos deixam a pairar um sentimento de frustração. “As negociações relativas ao clima têm girado em torno de três perspectivas: a da responsabilidade histórica (atribuída aos países desenvolvidos e que é avaliada em função do cálculo da quantidade de gases poluentes que emitiram para a atmosfera desde a revolução industrial), a do contributo de cada país para o aumento das emissões e, finalmente, a do contributo por país per capita”, resume Francisco Ferreira, membro da direcção nacional da associação ambiental Quercus.

É em torno destes três eixos que se tem apertado o nó das negociações climáticas, explica: “As potências emergentes invocam a ausência de responsabilidade histórica para reclamar o seu direito a políticas menos restritivas relativamente à emissão de gases tóxicos. Os países desenvolvidos preferem deixar essa questão de lado e discutir os índices actuais de poluição”. Mas para manter o braço de ferro há países que nem precisam de acertar contas com o passado. Francisco Ferreira aponta o exemplo paradigmático dos Estados Unidos e da China: “Neste momento a China é o país mais poluidor do mundo, mas se as suas emissões forem avaliadas per capita, são inferiores às dos Estados Unidos. Isto foi o bastante para complicar o diálogo entre as duas potências”.

Viriato Soromenho Marques, Professor Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e ex-Conselheiro da Comissão Europeia para a Energia e Alterações Climáticas, defende que deveria haver nas cimeiras do ambiente, promovidas pelas Nações Unidas, um modelo de negociação mais musculado, com “a criação de um directório de grandes países, uma espécie de Conselho de Segurança Climática, que pudesse liderar o processo e dar força à ONU”. Enquanto não se criarem “mecanismos de coacção”, sublinha, as políticas pró-ambiente não avançarão ao ritmo desejado.


Metas necessárias


Desde meados dos anos oitenta, quando foi identificado o buraco do ozono sobre a Antárctida e se começou a estudar o impacto dos gases com efeito de estufa no aumento da temperatura média do planeta, que a comunidade internacional está a par das consequências ambientais, económicas e sociais da economia do petróleo. Desmentindo os negacionistas que vêem nas alterações climáticas e aumento das temperaturas médias globais um ciclo meteorológico natural, o Painel Intergovernamental da ONU para as Alterações Climáticas (IPCC), criado em 1988 para o estudo destes fenómenos, anunciou em Setembro passado, na Suécia, que “agora existem 95% de certezas científicas quanto à responsabilidade da acção humana no aquecimento global”. O objectivo da ONU é conseguir que o aumento das temperaturas médias globais não ultrapasse os dois graus. Se não se cumprirem as metas estabelecidas, o nível do marpoderá subir até aos 82cm até ao final do século”, avisa o IPCC, “e as temperaturas médias aumentarão 4,8 graus”.
Marcada para 2015, em Paris, a próxima Conferência da ONU sobre Alterações Climáticas tem uma agenda ambiciosa. Dela deverá resultar o documento que substituirá o Protocolo de Quioto, entretanto prescrito. Espera-se que venha a ser subscrito e ratificado por um conjunto mais alargado de países, incluindo os Estados Unidos.

 

O ambientalista céptico

Mas nem todos seguem com a mesma preocupação os avanços e recuos das potências que lideram estas negociações. Bjorn Lomborg, o dinamarquês doutorado em Ciência Política que se tornou famoso ao publicar as obras “O Ambientalista Céptico” e “Calma!”, lançadas respectivamente em 2001 e 2007, desconstrói a visão mainstream dos ambientalistas e da ONU.

Nestas obras, baseadas em estudos que liderou na Business School de Copenhaga, onde é professor, rebate muitos dos dados estatísticos divulgados pelas entidades que mais têm promovido as políticas de redução de emissões. Sublinha que, com o objectivo de sensibilizar a opinião pública, os investigadores apontam como certos os cenários mais pessimistas e menos prováveis. Apelidando de catastrofistas as previsões, o investigador argumenta, por exemplo, que a subida do nível dos oceanos pode, em muitos casos, ser prevenida sem grandes custos, como será o caso da Holanda, que tem 60% da sua população a viver abaixo do nível do mar mas que poderá, segundo os seus cálculos, solucionar o problema “gastando 1% do PIB”.

Lomborg também salienta que o impacto das catástrofes naturais ligadas ao clima tem aumentado não só devido ao maior número de ocorrências, mas em função da acção do homem, que em vez de prevenir, agrava as circunstâncias: “Quando as pessoas olham para o Paquistão, onde grandes áreas do país já foram inundadas, e dizem que tal aconteceu devido ao aquecimento global, estão a esquecer que a maior parte do dano decorreu porque as áreas altas das regiões montanhosas foram desmatadas, levando à aceleração do escoamento superficial. Esse tipo de comentário ignora, também, que a maioria das barragens no Paquistão são mal reparadas e assoreadas, o que significa que elas podem armazenar muito menos água, e que houve neste país uma degradação geral dos serviços de previsão sobre precipitações e gestão da água”, exemplifica. Contra a corrente, Lomborg sustenta que mais prementes que os problemas climáticos no mundo são os da fome e que o caminho traçado pelo Protocolo de Quioto, que promove a redução das emissões, é caro e ineficaz: “Num mundo mediatizado, infelizmente as pessoas que gritam mais alto ou que contam as histórias mais assustadoras são as que recebem mais atenção. Os problemas simples, e por isso mais aborrecidos, não recebem a atenção de que necessitam. Sida, má nutrição e imunização são assuntos aborrecidos comparados com o aquecimento global e os furacões que são mais excitantes e interessantes para os media”, afirmou numa entrevista concedida à revista Gingko em 2009, quando esteve em Portugal a convite do Greenfestival.

Com estas palavras reiterava a mensagem do seu livro “Calma”, onde defendeu que as avultadas somas dispendidas para travar, sem sucesso, o aquecimento global seriam melhor gastas a salvar vidas no imediato. Em 2010, o ambientalista céptico viria porém a lançar uma obra considerada por alguns de recuo. Em “Smart Solutions to Climate Change” (Soluções Inteligentes para as Alterações Climáticas) admite que é necessário combater o aquecimento global, mas com políticas realistas que esqueçam “a estrada velha e falha do Protocolo de Quioto” e apoiem o investimento em Investigação e Desenvolvimento: “Deveríamos ouvir o melhor da ciência natural e perceber que o aquecimento global é um problema real que precisamos solucionar. Mas também deveríamos ouvir o melhor da ciência económica, que nos diz que, por meio do Protocolo de Quioto e de políticas semelhantes, vamos gastar uma fortuna e fazer praticamente nada de bom. Em vez disso, deveríamos gastar o nosso dinheiro na criação de uma tecnologia verde melhor para o futuro. Actualmente, a energia verde custa muito mais do que os combustíveis fósseis. É por isso que é muito difícil conseguir que as nações se comprometam a usá-la. Mas, se pudermos inovar e colocar o seu preço abaixo do custo dos combustíveis fósseis, todos passarão a comprar energia verde, não porque sejam ambientalistas, não porque são forçados a fazê-lo através de um Protocolo de Quioto, mas porque é mais barata”.

Uma das propostas que Lomborg avança no livro é a criação de um fundo global de 100 mil milhões de dólares para investimento em pesquisa e desenvolvimento em energias limpas. Pediu a mais de 30 economistas “top climate” do mundo para delinear e pesquisar as melhores formas de combater o aquecimento global: “Debruçaram-se sobre questões como os cortes padrão de carbono, os cortes em carbono negro, plantio de florestas, redução de metano, adaptação, transferência de tecnologia, geo-engenharia, pesquisa e desenvolvimento de energia verde, além de uma série de outras opções. Em seguida, pedimos a um painel de economistas laureados com o Prémio Nobel para priorizar as principais soluções com base no custo-eficácia. E foi assim que concluíram que gastar 100 mil milhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento era o melhor caminho, no longo prazo, para combater o aquecimento global”. Pragmático, este professor dinamarquês acredita que, graças à I&D, vai ser possível, no futuro, ambiente e desenvolvimento conviverem sem grandes problemas.

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