Logo Sociedade Ponto Verde

ELES PENSAM E FAZEM
Eles pensam e fazem
2014-03-05
Eles pensam e fazem

Hoje em dia, no mundo global, já não há o cá e o lá. O que temos são 15 milhões de portugueses com uma cultura e identidade próprias e ligação forte a Portugal. Dez milhões estão em território português e cinco milhões espalhados por todo o mundo. Estes últimos representam um activo incalculável para o nosso país”, pode ler-se no site de apresentação do programa FAZ – Ideias de Origem Portuguesa.

Esta iniciativa da Fundação Gulbenkian procura, assim, ser um catalisador de ideias com impacto social para Portugal, nas áreas do ambiente, sustentabilidade, inclusão social, diálogo cultural e envelhecimento, criando condições, em termos de conhecimento, rede e financiamento, para que sejam implementadas. Em 2013, na segunda edição do FAZ, candidataram-se 80 projectos. A RECICLA dá-lhe a conhecer os três vencedores.

 

ORQUESTRA XXI

Nunca, como hoje, houve tantos e tão bons músicos portugueses pelo mundo, mas “com as suas carreiras fora do país deixam de ter oportunidade de voltar a Portugal para tocar. É um processo natural, mas uma das grandes vantagens do nosso projecto é conseguir contrariar isso”, resume com orgulho Dinis Sousa, o mentor do projecto que mereceu o primeiro lugar da última edição do FAZ. A Orquestra XXI reúne 50 músicos portugueses que tocam nas melhores orquestras de todo o mundo e que, numa iniciativa inédita, voltam a Portugal para tocar juntos em digressão. Esta ideia surgiu um ano antes de Dinis saber da existência do concurso. Em animada conversa com o compositor Manuel Durão, surgiu-lhe de repente a inspiração. Contactou os músicos, pensou no reportório, marcou os concertos, “pedimos apoios em todo o lado, mas nada”, recorda. Até que uma amiga lhe enviou um e-mail sobre o FAZ. Ao tomar conhecimento do concurso, pensou: “Foi mesmo feito para nós!” Juntou-se a Ricardo Gaspar, João Seara e Diana Ferreira, concorreram, foram selecionados e ganharam. “Fomos o primeiro projecto de música a concorrer nos dois anos do programa. Pensámos que seria uma desvantagem, mas se calhar, como éramos completamente diferentes, acabou por funcionar a nosso favor”. Com o apoio do prémio, logo em Setembro concretizaram a primeira digressão. “Tivemos só quatro dias para ensaiar e estivemos quatro dias a tocar. Foi muito intenso e cansativo mas os músicos mostraram sempre energia e motivação para continuar”, conta entusiasmado. Confessa que estava com medo que ninguém aparecesse no primeiro concerto no Mosteiro de Tibães, em Braga, mas o local encheu com 600 pessoas. No Porto, a emoção foi ainda maior: “É difícil de acreditar, entrar na Casa da Música e ver a sala cheia!” Simbolicamente, a primeira peça que tocaram em todos os concertos foi escrita de propósito pelo compositor Manuel Durão, o tal que estava com Dinis quando ele teve a ideia. Fizeram questão de escolher também uma peça de Lopes Graça: “Às vezes há uma tendência de se desprezar o que se faz em Portugal e a nossa música não fica nada atrás da de outros países. Tivemos compositores excelentes que deixaram de ser tocados em Portugal”. No dia 10 de Abril a Orquestra XXI estará de regresso, fazendo com que Portugal se enriqueça culturalmente ao usufruir do seu talento.

 

FRUTA FEIA

“Gente bonita come fruta feia”. Foi este o mote que guiou Isabel Soares, engenheira do ambiente que vivia em Barcelona, quando se candidatou ao FAZ. Mais de 30% da fruta produzida em Portugal é desperdiçada pois, apesar de saborosa e de qualidade, não cumpre os critérios estéticos do mercado. O projecto Fruta Feia pretende combater esta ineficiência. “É uma cooperativa de consumo que pretende escoar os produtos directamente dos agricultores para os consumidores. Produtos que são hoje em dia desperdiçados por razões estéticas, como forma, cor e calibre”, resume Inês Ribeiro. Inês faz parte da equipa inicial do projecto, à qual já se juntaram cerca de 10 voluntários. A cooperativa, em funcionamento desde Novembro do ano passado, conta já com 150 sócios e uma lista de espera de mais 200. “Todas as segundas-feiras de manhã vamos buscar os produtos aos agricultores e à tarde fazemos os cabazes e distribuímos pelos sócios, na Casa Independente, no Intendente, em Lisboa”. Confessam terem ficado surpreendidos com a adesão tão rápida. “Na carrinha já não cabem mais coisas!” Querem replicar o projecto noutras zonas de Lisboa e do país. “Esperamos, em Março, já ter outra delegação em Lisboa, noutro bairro e noutro dia da semana. Queremos que o projecto se espalhe e não que se torne muito grande só num ponto da cidade”. A constituição dos cabazes é sempre surpresa e alegram-se de já terem conseguido acabar com o desperdício de alguns pequenos produtores da zona Oeste. “Os sócios estão a gostar imenso pois as frutas e legumes são muito frescos e a um preço mais barato”. Uma ideia aparentemente tão simples contribui, assim, para dar uma solução a uma questão com consequências não apenas éticas mas também ambientais. O desperdício alimentar envolve o gasto desnecessário de recursos como a água, os terrenos e energia e a decomposição dos alimentos não consumidos resulta na emissão de metano e dióxido de carbono para a atmosfera.

 

RÉS-DO-CHÃO

Margarida, Mariana, Marta e Sara já trabalharam nos quatro cantos do mundo. Todos os anos voltavam a Portugal e, com o seu olhar de arquitectas, assistiam “ao esvaziamento progressivo das ruas. As lojas a fecharem e os espaços a ficarem degradados, desabitados e desativados”, resume Marta Pavão. O desejo de trabalharem juntas e o conhecimento do concurso, fê-las pensar numa solução para o problema que tinham vindo a detectar. “Identificámos claramente o esvaziamento dos pisos térreos como uma questão com consequências muito evidentes ao nível do que é o espaço público”, conta Marta. E desenvolve: “Os pisos térreos muitas vezes são de propriedade privada mas têm uma responsabilidade social, que tem a ver com a questão da preservação da rua e da construção da imagem de um espaço que é colectivo. É um espaço de propriedade individual que é responsável por construir cidade, segurança, dinâmicas, relações de vizinhança e proximidade”. O projecto Rés-do-Chão pretende, então, dinamizar esses espaços com funções alternativas ao comércio tradicional. Nos países onde viveram conheceram projectos de sucesso de revitalização urbana, como lojas pop-up, espaços de coworking, ateliês-loja, galerias, grupos de teatro… “Por exemplo, para uma pessoa que tenha um negócio e queira vender os seus produtos apenas num sábado por mês não é fácil existir um espaço para tal. Há várias pessoas interessadas nestes novos modelos de ocupação”, refere Margarida Marques. O Rés-do-Chão planeia criar uma plataforma intermediária entre proprietários e arrendatários, em colaboração com as autarquias e comunidade local. “Queremos criar uma consciência maior da importância que é ocupar estes espaços e mostrar novas soluções”, resume Margarida. Entretanto, apenas Mariana continua a trabalhar fora do país. “Este prémio deu-nos a oportunidade de voltarmos a Portugal e trabalhar para Portugal”, concluem com entusiasmo e vontade de começar a fazer o que pensaram.

 

A terceira edição do programa FAZ está em fase de período de candidaturas, que terminará a 31 de Março de 2014.

 

Fotos Francisco Rivotti (entrada) e Filipe Pombo/AFFP

DESCUBRA AINDA