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UMA HISTÓRIA DE RECICLAGEM EM 3 GERAÇÕES
Uma história de reciclagem em 3 gerações
2017-04-20
Uma história de reciclagem em 3 gerações

Passear no parque, patinar, ver um bailado, ficar em casa numa tarde de chuva. Estas são atividades que normalmente associamos a um fim de semana em família, por exemplo, mas a esta lista acrescentamos ainda uma outra, talvez menos usual mas não menos importante: reciclar. Sim, é possível reciclar em conjunto e em família. Fomos conhecer um clã português que separa as embalagens desde sempre todos eles protagonistas desta história. A par de se divertirem nas atividades que mais adoram (e noutras também, mais tecnológicas!), todos fazem o seu melhor na separação das embalagens e na reutilização de materiais e reconhecem a importância de cuidarmos de um planeta que, antes da intervenção do homem, já foi mais azul.

 

Regresso ao passado

 

No início de um novo ano, há que fazer balanços e perspetivar desejos. A Recicla sentou-se com esta família na relva do Parque da Cidade, no Barreiro, nos primeiros dias de 2017, e falou da sua atitude verde, mas também amarela, azul... Reciclar e reutilizar materiais foi o mote. Começámos a odisseia com uma viagem aos anos 80 e 90. A primeira palavra é de Sónia, que vai ao baú das memórias para recordar o que a faz conseguir tratar os ecopontos como se de velhos amigos se tratassem: “Tenho uma consciência ambiental desde o tempo em que andei nos Escuteiros. Não havia ainda o hábito da reciclagem, mas ensinavam a importância de não se deitar papéis para o chão e de tratarmos bem o ambiente. Estive lá até aos 18 anos.

 

    Aos poucos, começou-se a falar da reciclagem e surgiram os ecopontos na rua.” A Sociedade Ponto Verde (SPV), agora com duas décadas, dava então os primeiros passos no seu trabalho de educação ambiental dos portugueses. Ainda vivia em casa dos pais quando começou a reciclar. No início, separava e o faz com muito empenho, ao longo de três gerações. E o que se segue podia ser a apresentação do elenco de um filme digno de Hollywood, mas aqui a trama é mais de cariz ambiental. Manuel Bernardino tem 68 anos e está reformado, a filha mais velha, Sónia Bernardino, fez 40 anos e é bancária. Seguem-se os elementos mais jovens da nossa história: Mariana Rocha, 15 anos, e Caetana Rocha, 9, que estudam, patinam e dançam. São netas do Manuel e filhas da Sónia, apenas o papel e recorda-se de que havia poucos ecopontos espalhados pela sua cidade, o Barreiro, na margem sul do Tejo. “Quando casei, comecei a reciclar também embalagens e vidro”, conclui esta defensora das boas práticas ambientais. Agora tem ecopontos domésticos, que ajudam a separar melhor o lixo. E eis que, neste processo, teve duas filhas: “Posso dizer que elas já nasceram a reciclar!”

 

Ao longo dos tempos, esta bancária – que reconhece a importância de outros valores muito para além dos monetários – começou a ver anúncios na televisão que incentivavam à separação dos resíduos. Recorda vários, principalmente os que envolviam crianças, mas inesquecível foi o do famoso chimpanzé Gervásio. Afinal, se ele consegue reciclar, quem não conseguirá? No ano 2000 ele mostrou como é fácil ter boas práticas – na altura em que Sónia engravidou pela primeira vez. Tal como o famoso primata que a SPV apresentou, também ela se esforça por fazer uma reciclagem correta. No Barreiro há ecopontos onde deixa as embalagens e apercebe-se de que há cada vez mais pessoas a reciclar. Como já faz isto há muito tempo, acredita que conhece os materiais, e afirma “sei que há vidros que não são recicláveis, como o dos copos ou o dos espelhos. Fui aprendendo muitas coisas ao longo dos anos, mas sempre que tenho dúvidas vou à procura de respostas na Internet”.

 

Cuidar, alimentar, sonhar

 

Mariana e Caetana já fazem a separação das embalagens sem sequer pensarem muito, pois tudo surge naturalmente, porque sempre viram a mãe nesta tarefa. Algumas vezes também vão elas despejar os materiais. “Já sabemos bem para que servem aqueles caixotes que estão na cozinha”, diz a primogénita. E acrescenta: “Acho que as pessoas não percebem que a reciclagem é importante para que vivamos bem com o ambiente e para podermos viver com qualidade... Eu reciclo por isso mesmo, para não causar mais danos ao planeta.” No futuro quer ser enfermeira parteira ou pediatra, e deixa uma garantia: “Vou ajudar a nascer e tratar os bebés que depois vão cuidar da Natureza.” E nós assim o desejamos.

 

Provando que aos 9 anos já se pode ter maturidade para executar tarefas de responsabilidade e cuidado, a irmã mais nova confessa: “Adoro ir colocar as embalagens no ecoponto, principalmente o vidro!” Reciclagem à parte, em casa não ajuda apenas com a separação de materiais, também é muitas vezes a chef que está de serviço à cozinha. A sua especialidade? “Omeletas… adoro omeletas! Um dia quero ter um restaurante em que as possa cozinhar para toda a gente.” Um restaurante com boas práticas ambientais, entenda-se.

 

Um avô antidesperdício

 

Uma presença sempre bem-vinda e frequente lá em casa é a do avô, que já foi um cliente satisfeito desta especialidade da neta mais nova.

 

Manuel Bernardino está reformado e gosta de dedicar o seu tempo às duas netas. Ele sabe bem o que é ter duas raparigas em casa: a sua atitude educativa vem de trás. “Quando a Sónia e a minha filha mais nova, a Rita, eram crianças, fazíamos muitas viagens de carro e elas estavam proibidas de deitar qualquer lixo pela janela. No fim da viagem já sabia que o banco de trás estava cheio de lixo; eu limpava tudo, metia em sacos e deitava fora, ainda longe dos tempos de se reciclar. Já nessa altura eu lhes incutia esta preocupação ambiental”, e assim surgiu uma semente que foi crescendo até hoje. O resultado: filhas e netas têm uma atitude correta em relação ao ambiente.

 

“Sou contra o desperdício. Sempre fui assim.” E com esta afirmação não é necessária uma grande explicação em relação ao comportamento que a seguir relatamos. Manuel defende a sua causa: “Para mim, um simples saco de plástico dura meses ou até anos.

 

Quando despejo, por exemplo, o papel-cartão, ou levo em sacos reutilizáveis, ou, se for num de plástico, despejo e trago-o de volta, até não poder ser mais usado. Se todos tivessem a preocupação de reutilizar sacos de plástico, hoje não haveria o imposto que nos obriga a pagá-los.” É aqui que a filha não resiste: “Chegamos a discutir sobre se um saco ainda está bom ou não para voltar a ser usado, mas ele insiste e ganha a batalha!” E este reutilizador nato confessa: “Eu tenho uma dúvida: o que faço com aqueles envelopes que têm uma janela em plástico?” Aqui é Sónia que esclarece: “Não é preciso, mas eu gosto de cortar a parte do plástico e separo o papel, e depois ponho-os nos ecopontos certos.” E a conversa entre os dois continua – como se de um guião ambiental se tratasse –, em jeito de documentário. Manuel tem dúvidas também em relação às embalagens: devemos colocar as que estejam muito sujas no ecoponto? A filha conta que as passa por água, mas mesmo sujas podem ser lá colocadas, e lembra que o pai as deve espalmar. Ele não desarma: “Ai sim, eu até as latas de cerveja espalmo todas; num saco que levaria 20 ficam 40. Claro que depois vão ser todas prensadas, mas a minha parte fica feita.”

 

Caixinha de sugestões ambientais

 

E se, em vez de tantos anúncios, os nossos canais de televisão nacionais tivessem informação ambiental nos intervalos? A sugestão é do avô Manuel, que continua: “Os programas da tarde ou da manhã deviam falar de separação de lixo e de reutilização. Muitos têm convidados para falarem de assuntos de saúde ou crimes, e por que não alguém para debater estes temas? Isso iria chamar a atenção, principalmente dos mais idosos, que têm dificuldade em saber como se faz a separação. Também era importante serem oferecidos ecopontos domésticos às famílias.” Aqui, é altura de contar que com a Missão Reciclar a SPV bateu à porta dos portugueses, entregou ecobags e esclareceu todas as dúvidas. Em ano e meio, distribuiu 300 mil sacos reutilizáveis para reciclagem e contactou dois milhões de lares.

 

A conversa está como as cerejas, mas o tempo urge. O desta família e o da Terra. Sónia desabafa: “As pessoas têm de perceber que o mundo está a ficar com poucos recursos. Acham que o pior acontece quando já cá não estiverem e não querem saber, mas esquecem-se de que já estamos a lidar com o buraco do ozono, com as mudanças climáticas, e muitas catástrofes que têm acontecido derivam disso mesmo. Talvez não tenham noção da gravidade da situação e de que temos de agir depressa para minimizar estes desastres. Eu posso não estar cá, mas as minhas filhas ou os meus netos estarão.”

 

A prova de que a geração mais nova está no bom caminho, mas que ainda há muito que se poderá fazer, chega pela voz de Mariana: “Na escola falamos destas matérias, mas de forma geral, em nenhuma disciplina em particular.

 

Aprendi mais em casa, com a minha mãe, e com os meus amigos não falo sobre estes assuntos.” E é a mãe quem acrescenta: “Era fundamental haver educação ambiental nas escolas logo desde a creche. Há atividades e jogos divertidos que se podem fazer e que ajudam a que as crianças cresçam com esta consciência. Caso aprendam na escola, podem levar essas boas práticas para a família.” E a pequena mas enérgica Caetana recorda que já dedicou algumas horas na sua turma a debater a matéria: “Na escola, o tema do desfile de Carnaval do ano passado era ‘Profissões do futuro’. Eu fui mascarada de polícia ambiental. Uns iam vestidos de ecoponto, outros de lixo, mas eu era polícia!” Respeitinho, ou a agente Caetana terá de intervir em defesa do ambiente, sempre.

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